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Consentimento coletivo para pagar: o que é levado em conta e o que deveria ser

Atualizado: 11 de nov. de 2021

Na França, soou o alarme: nosso consentimento coletivo para financiar a inovação terapêutica para combater as doenças raras está em perigo. Christophe Duguet, representando a AFM-Téléthon [associação de pacientes com distrofia muscular], discute a urgência de "reconstruir os meios de organizar este consentimento" não porque o sistema de seguridade social existente seja insatisfatório, mas sim pela preocupação que se deve ter com sua sustentabilidade (Deleuze et al., 2016).


Hoje, todos os pacientes que precisam têm acesso aos medicamentos órfãos, sem pagar diretamente por isso. O sistema de seguridade social estabelecido após a Segunda Guerra Mundial na França é um sistema baseado na solidariedade _ todos participam da proteção social de todos (na forma de contribuições e impostos) e todos se beneficiam da proteção social. A seguridade social protege as pessoas que residem permanentemente na França dos riscos relacionados a doenças (isto é, enfermidades, maternidade, invalidez e morte), além dos riscos relacionados a doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, família (infância e juventude) e velhice (aposentadoria e viuvez). Este sistema de proteção pretende-se igualitário e equitativo.


A França é um dos poucos países que implementou uma política de autorização temporária de uso (ATU) de medicamentos inovadores - incluindo medicamentos órfãos - a fim de fornecer acesso antecipado a estes. O ATU, concedido a pedido de um laboratório farmacêutico ou do médico assistente, coloca tais medicamentos à disposição dos pacientes antes mesmo da concessão da autorização de comercialização; o ATU pode ser depois prorrogado temporariamente (pós-ATU) no intervalo entre o momento em que uma autorização de comercialização é concedida e a conclusão das negociações sobre o preço e a taxa de reembolso do medicamento pelo sistema de seguridade social, a fim de garantir a continuidade do tratamento do paciente. Os medicamentos com status ATU (ou pós-ATU) também são 100% cobertos pela seguridade social.


Nas suas três propostas para “reconstruir os meios para organizar este consentimento coletivo de pagamento”, Duguet nos convida a defender as especificidades do sistema de saúde francês (a política de acesso antecipado a tratamentos inovadores em particular) considerando as responsabilidades que a Europa está sendo chamada a assumir. “Devemos”, diz Duguet, “evitar a harmonização europeia [nivelada por baixo] com base em um mínimo denominador comum”.


As duas outras propostas ressaltam a importância que as associações de pacientes com doenças raras conferem ao ativismo baseado em evidências (Rabeharisoa, Moreira & Akrich, 2014): sustentar um sistema de proteção fundado na solidariedade exige uma melhor compreensão das questões em jogo e um esforço para esclarecer as escolhas que estão sendo feitas. Duguet defende a concepção de novas ferramentas de conhecimento “que permitam responder a questões essenciais, como o impacto econômico das doenças raras enquanto tais”, citando, por exemplo, a criação de um Observatório Econômico de Medicamentos Órfãos. Ao exigir transparência na precificação de medicamentos inovadores, Duguet recomenda a construção de um novo modelo para tal, com vistas a alcançar “preços justos e controlados”.


O preço extremamente elevado dos medicamentos para doenças raras, e o que tornaria esses preços aceitáveis, são questões internacionalmente debatidas. Quando a economista da saúde, Catherine Le Galès, escreve que a aceitação destes preços “não pode ser justificada sob a alegação de que apenas a raridade da doença conta”, é para melhor destacar as “múltiplas preocupações que mesclam princípios morais, questões de justiça social e eficiência dos gastos públicos” que esses preços suscitam, tanto quanto o fato de a comercialização de medicamentos para doenças raras ser produto “da imbricação de razões científicas, industriais, financeiras, políticas e econômicas” (Le Galès, 2019).


O que chama a atenção na forma como Duguet aborda a questão é este convite a considerar a sustentabilidade de um sistema de proteção social solidário, que na França é o principal pagador, do ponto de vista das formas práticas e concretas pelas quais a solidariedade é efetivamente exercida. Ou, mais precisamente, em que a solidariedade será exercida no futuro, se a esperança de desenvolver novos tratamentos para um número crescente de doenças raras se tornar uma realidade. Isso levanta uma série de questões muito interessantes, a começar pelo que é considerado e o que deveria contar do ponto de vista dos pacientes, fabricantes e comunidade, bem como do próprio processo de inovação e do futuro da proteção social.


 

Referências


Deleuze, Christian; Detournay, Bruno; Duguet, Christophe; Handweiler, Valérie (2016). Table ronde 4 - Réalité et pérennité du modèle économique des maladies rares. Médecine/ Sciences, 32 (hors série n ° 1): 29-33.


Le Galès, Catherine (2019). Quel prix pour les médicaments orphelins? Les Tribunes de la Santé, 4 (62):61-69


Rabeharisoa, Vololona; ​​Moreira Tiago & Akrich Madeleine (2014). Evidence-based activism: Patients’, users’ and activists’ groups in knowledge society, BioSocieties, 9 (2):111–28.



 

Redigido por: Florence Paterson

Tradução livre: Cláudio Cordovil


Foto: Gunnar Ries, Health care is expensive, 2009 (CC BY-NC-ND 2.0)

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