Em 16 de dezembro de 2020, a Health Canada anunciou que aprovaria sua primeira terapia gênica no Canadá (Zolgensma®️/Novartis) para atrofia muscular espinhal (AME). Este é um anúncio significativo por várias razões. Em primeiro lugar, como terapia gênica, o Zolgensma oferece potencial curativo e, como tal, é um golpe de sorte para os pacientes com AME (a maioria dos quais são crianças) e suas famílias.
A atrofia muscular espinhal é uma doença do neurônio motor que afeta os músculos de todo o corpo (Lunn & Wang, 2008, 2120) com indivíduos com fraqueza frequente nas pernas ou braços e, menos comumente, com dificuldades de deglutição (Lunn & Wang , 2008, 2120). Em algumas crianças, também afeta os músculos respiratórios e pode levar a um aumento da tendência para pneumonia e outros problemas pulmonares (Lunn & Wang, 2008, 2120).
De acordo com o CURE SMA Canada, aproximadamente 1 em cada 6 mil bebês são afetados pela AME naquele país e uma em cada 40 pessoas são portadoras genéticas dessa condição (Cure SMA Canada, 2017).
Sua aplicação se dá através de uma injeção intravenosa de dose única que pode realmente curar a AME, não simplesmente tratar seus sintomas (Dangouloff & Servais, 2019, 1154). Ao contrário de outro tratamento principal para SMA (nusinersen/Spinraza®️/Biogen), o Zolgensma®️ também pode ser administrado a adultos que não poderiam receber a injeção de nusinersen devido à fusão espinhal, uma condição comum na AME (Dangouloff & Servais, 2019, 1154 ).
É importante lembrar aos nossos leitores internacionais que a aprovação da Health Canada NÃO significa necessariamente que pacientes em todo o país receberão a terapia. O que essa aprovação recente significa é que o Zolgensma®️ foi considerado seguro e eficaz o suficiente para ser vendido no Canadá.
Agora a decisão depende das 13 províncias e territórios canadenses que são responsáveis pela organização e entrega de medicamentos e tratamentos em seu próprio sistema de saúde.
E por que não o fariam? Bem, há 2,8 milhões de razões pelas quais eles podem pensar duas vezes no assunto. Zolgensma®️ é considerada a droga mais cara do mundo (Dyer, 2020, 580) _ embora não seja exatamente uma droga. É mais um tratamento _ com um preço estimado de 2,8 milhões de dólares canadenses (cerca de 12 milhões de reais pelo câmbio atual) por paciente (Black, 2020). É um tratamento incrivelmente caro e isso representa um desafio significativo para governos em todo o mundo (Black, 2020).
O preço é um problema; adicionalmente, os pesquisadores ainda não são capazes de determinar de forma adequada se este tratamento pode continuar a funcionar a longo prazo. É essa incerteza, aliada àquela outra, que está exigindo que o governo canadense e as empresas farmacêuticas desenvolvam (melhores) mecanismos de compartilhamento de risco.
Estes acordos são definidos como aqueles em que o "risco é compartilhado tanto pelo pagador, que concorda em pagar os custos de reembolso (incorporação) do produto, apesar das incertezas sobre seu valor clínico ou econômico de saúde, quanto pelo fabricante do medicamento, que normalmente concorda em fazer concessões financeiras ou realacionadas ao desempenho, dependendo da futura performance do produto ”(Bastian et al., 2016, 46).
Estes são contratos pré-estabelecidos que dependem de medidas de desempenho ou financeiras que são rastreadas ao longo de períodos de tempo em uma população específica (Bastian et al., 2016, 47). Trata-se de um dos tipos de inovação social farmacêutica em que nós da equipe do Projeto SPIN estamos interessados, pelo que representam de quadros regulatórios alternativos de cobertura.
Mesmo antes da aprovação da Zolgensma®️ nos Estados Unidos em maio, houve um impulso significativo para a Novartis explorar modelos de reembolso inovadores, incluindo pagamentos que deveriam ser distribuídos ao longo do tempo e acordos de compartilhamento de risco (Weintraub, 2019). Estes têm se tornado cada vez mais comuns para tratamentos de alto custo (Bastian et al., 2016, 44).
Ainda que os acordos de compartilhamento de risco sejam mais raros no Canadá e nos Estados Unidos, as autoridades de saúde no Reino Unido e Itália têm promovido este tipo de acordos há algum tempo, com resultados positivos e negativos (Bastian et al., 2016, 47). De fato, em uma apresentação feita pela Agência Canadense de Drogas e Tecnologias em Saúde (CADTH) em 2019, a entidade pediu urgência ao governo no sentido de trabalhar com a indústria "para estabelecer modelos nacionais de compartilhamento de risco para doenças raras e medicamentos de alto custo para garantir que todas as regiões do Canadá pudessem arcar com o padrão mínimo ”(CADTH, 2019).
Talvez esse tipo de acordos seja parte da solução para a dificuldade contínua do Canadá em estabelecer uma política nacional de cobertura de doenças raras. Mas esses acordos são considerados inovadores? Ou são apenas mais uma ferramenta financeira utilizada pelas empresas farmacêuticas? Será, portanto, muito interessante observar como as coisas vão se passar com Zolgensma®️ no Canadá. Será algo que observaremos de perto, pois representa uma oportunidade em relação ao tipo de inovação social farmacêutica que buscamos compreender no Projeto SPIN.
Qualquer que seja o caminho, certamente será melhor do que o que tem acontecido até agora com este tratamento. Em janeiro de 2020, a Novartis, empresa suíça que desenvolveu o Zolgensma®️, passou a aceitar inscrições de pacientes para receber esse tratamento por meio de um sistema de loteria (Forani, 2020).
A fabricante anunciara que selecionaria um novo nome a cada duas semanas para receber a terapia e que distribuiria 100 doses gratuitas em todo o mundo (Forani, 2020). Essa loteria, que parecia para alguns como um empreendimento de caridade, foi altamente condenada por ministros da saúde e grupos de pacientes em todo o mundo (Dyer, 2020, 580). SMA Europe, uma coalizão européia de associações de pacientes com AME, até divulgou um comunicado informando que estava "alarmada com o fato de o programa fazer milhares de bebês [com AME] competirem entre si por um tratamento que salva vidas, o que cindiria comunidades coesas" (Dyer, 2020 , 580).
Os ministros da saúde em toda a Europa ecoaram tais preocupações, indicando que esta loteria “não provaria nenhum compromisso sincero com os pacientes e apenas aumenta o sofrimento das famílias envolvidas. Elas recebem uma falsa esperança” (Dyer, 2020, 580).
Além disso, esse tipo de sistema de loteria também pressiona os governos locais para que ofereçam cobertura para essa classe terapêutica. Uma loteria como essa cria um alto nível de disparidade entre os pacientes, o que pode ser visto como uma ferramenta política para pedir o apoio do governo a esses tratamentos. É esse tipo de iniciativas que gostaríamos de ver mudadas e substituídas por abordagens mais socialmente inovadoras, que ajudem a reduzir a vulnerabilidade dos pacientes com doenças raras.
Esta aprovação abre as portas para outras terapias gênicas, que podem ser a pedra angular para o tratamento de doenças raras (Black, 2020). Historicamente, a terapia gênica é uma área da terapêutica que visa curar, ou melhorar significativamente, doenças ou condições com poucas ou nenhuma alternativa de tratamento (CADTH, 2018, p. 3).
Numerosas terapias gênicas foram aprovadas fora do Canadá ou estão em estágio avançado de pesquisa clínica (CADTH, 2018, p. 3), o que é promissor para pacientes com doenças raras e suas famílias. Vejamos como produtos como o Zolgensma®️ serão tratados em uma perspectiva regulatória e de sistemas de saúde. O que estaremos observando é até que ponto esse novo desenvolvimento terapêutico poderá trazer uma nova abordagem socialmente inovadora para o desenvolvimento, regulamentação e reembolso de medicamentos.
Referências
Bastian, A., Dua, D., & Mirzahossein, S. (2016). The use of risk-sharing agreements to manage costs, mitigate risk, and improve value for pharmaceutical products. Journal of Clinical Pathways, 2(2), 43-51.
Black, M. (16/12/2020). Health Canada approves $2.8M treatment for spinal muscular atrophy. Global News. https://globalnews.ca/news/7526002/zolgensma-spinal-muscular-atrophy-health-canada-approval/
CADTH. (6/03/2018). Gene therapy: An overview of approved and pipeline technologies. Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. Acesso em 5/01/2021). Disponível em https://cadth.ca/sites/default/files/pdf/eh0068_gene_therapy.pdf
CADTH. (2019, April 15). Managing the "expense" in expensive drugs for rare diseases. Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health. Acesso em 7/01/2021. Disponível em https://cadth.ca/sites/default/files/symp-2019/presentations/april15-2019/A1-presentation-panel.pdf
CADTH. (2021, January 5). CADTH reimbursement review: Onasemnogene abeparvovec. Canadian Agency for Drugs and Technology in Health. Acesso em 7/01/2021. Disponível em https://www.cadth.ca/onasemnogene-abeparvovec
Cure SMA Canada. (14/12/2017, December 14). About SMA. Cure SMA Canada. Acesso em 5/01/2021. Disponível em https://curesma.ca/about-spinal-muscular-atrophy/
Dangouloff, T., & Servais, L. (2019). Clinical evidence supporting early treatment of patients With spinal muscular atrophy: Current perspectives. Therapeutics and Clinical Risk Management, 15(1), 1153-1161.
Dyer, O. (2020). Health ministers condemn Novartis lottery for Zolgensma, the world’s most expensive drug. British Medical Journal, 368(1), 580.
Forani, J. (2020, January 15). Ontario parents enter lottery for 'world's most expensive drug' to save their daughter's life. CTV News Canada. https://www.ctvnews.ca/health/ontario-parents-enter-lottery-for-world-s-most-expensive-drug-to-save-daughter-s-life-1.4768459
Lunn, M. R., & Wang, C. H. (2008). Spinal muscular atrophy. The Lancet, 371(1), 2120-2133.
Weintraub, A. (2019, April 4). Pharma Novartis' SMA gene therapy would not be cost-effective if priced over $1.5M: ICER. Fierce Pharma. Acesso em 6/01/2021. Disponível em https://www.fiercepharma.com/pharma/novartis-sma-gene-therapy-would-not-be-cost-effective-if-priced-over-1-5m-icer
Colaborou: Shir Grunebaum (MA)
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