Em 19 de abril de 2021, o governo do Partido Liberal apresentou o orçamento federal. Este foi o primeiro orçamento proposto em dois anos como resultado da pandemia de COVID-19.
Em 2018, o governo do Partido Liberal estabeleceu o Conselho Consultivo para a Implementação do National Pharmacare. Em 2019, o Conselho divulgou seu relatório final. Sem surpresa, o relatório detalhou muitos dos mesmos problemas que os estudiosos da saúde e das políticas públicas têm destacado em suas pesquisas. Canadenses gastaram 34 bilhões de dólares em medicamentos com receita em 2018 (Conselho Consultivo para a Implementação do National Pharmacare, 2019).
Além disso, o relatório também informou que três milhões de canadenses não aviam suas receitas devido a fatores relacionados ao custo (Conselho Consultivo sobre a Implementação do National Pharmacare, 2019). O conselho consultivo recomendou um modelo Pharmacare nacional de pagador único. Um sistema que opera de forma semelhante ao Medicare, seguindo os cinco princípios da Lei de Saúde do Canadá.
Apesar do relatório do Conselho Consultivo, do apoio público ao Pharmacare com uma receptividade ímpar e do governo do Partido Liberal prometer por diversas vezes preços mais baixos dos medicamentos, foi bastante estranho ver sua omissão flagrante no orçamento federal de 2021.
O orçamento de 2021 contém uma linguagem que não inspira confiança de que o Pharmacare será implementado antes do final da administração atual. Atualmente, 500 milhões de dólares foram alocados para medicamentos de alto custo para o tratamento de doenças raras (Governo do Canadá, 2021). No entanto, adicionais 2,2 bilhões de dólares foram reservados para “fortalecer o setor de biofabricação e ciências biológicas do Canadá”.
O governo criou um mercado altamente atraente e bem protegido para a indústria farmacêutica, desde o final dos anos 1980. O setor farmacêutico já desfruta de incentivos fiscais para investimentos em P&D e proteção robusta de patentes. As patentes de produtos farmacêuticos são um tanto peculiares (Mohamed & Chaufan, 2020). Como a patente é concedida para o próprio medicamento, estas são mais protegidas em comparação com outras indústrias, como a da fabricação de semicondutores.
O modelo convencional de P&D para produtos farmacêuticos depende fortemente da indústria, que tem sido influenciada pela demanda do mercado. O preço do tratamento por paciente para medicamentos órfãos pode ser astronômico. O eculizumabe (Soliris), por exemplo, foi aprovado para tratar uma doença hematológica rara em 2007. O tratamento pode custar mais de 700 mil dólares canadenses (Crowe, 2015).
Preços exorbitantes de medicamentos órfãos não são exceção, mas sim a regra. O modelo tradicional de P&D depende de empresas privadas com fins lucrativos para realizar testes clínicos e comercializar seus produtos, resultando em medicamentos de alto custo, especialmente para doenças raras. Estes preços representam uma tentativa de a indústria farmacêutica recuperar os custos que investira para colocar o produto no mercado. Neste modelo, o foco é o retorno do investimento _ não o acesso dos pacientes aos medicamentos.
Existem formas alternativas de P&D que podem ser utilizadas para reduzir os preços dos medicamentos. Entidades públicas, como agências de saúde, instituições de pesquisa e academia não têm os mesmos fins lucrativos e nem a obrigação de entregar dividendos para seus acionistas.
Essas instituições podem ser usadas como parte do processo de P&D. Atualmente, a BioCanRx está envolvida na fabricação de células CAR-T em hospitais para o tratamento de cânceres específicos. O uso de estrutura do hospital para produção não exige que o mesmo seja lucrativo; o objetivo principal é fornecer tratamento a um subconjunto específico de pacientes.
Esta é uma lacuna em P&D para a qual o governo federal, províncias, hospitais e outras organizações reuniram recursos para criar uma rede CAR-T made in Canadá. Isso está preparando o caminho para tornar um tratamento viável.
Além disso, uma diferença fundamental entre instituições públicas e entidades privadas é a transparência. É extremamente difícil encontrar dados precisos sobre quanto uma determinada empresa gastou no processo de P&D de um determinado medicamento. No entanto, iniciativas, como o ensaio clínico CAR-T do BioCanRx, provam que é possível informar sobre o financiamento do setor público, a despeito dos níveis exigidos de transparência financeira e accountability.
Historicamente, o governo também vem oferecendo maior proteção à indústria, impedindo a entrada de medicamentos genéricos no mercado. O período de exclusividade da patente foi estendido em 1987 e o licenciamento compulsório foi removido da lei de patentes canadense em 1993.
Apesar da criação de condições de mercado mais favoráveis, os investimentos em P&D da indústria atingiram o nível mais baixo de todos os tempos. O investimento em P&D no Canadá tem diminuído desde o final da década de 1990 (Conselho de Revisão de Preços de Medicamentos Patenteados, 2020). De acordo com o Conselho de Revisão de Preços de Medicamentos Patenteados (PMPRB), a indústria farmacêutica gastou apenas 4% de sua receita em P&D no Canadá em 2018.
A linguagem usada no orçamento de 2021 é um tanto vaga e preocupante. A falta de detalhamento no orçamento sobre onde esses bilhões de dólares irão parar deve, ao menos, suscitar algumas questões do público. O atual modelo de P&D centrado no apoio à indústria com fins lucrativos não conseguiu entregar medicamentos aos pacientes que deles precisavam.
Além disso, o orçamento de 2021 também não contém nenhuma informação sobre a implementação do Pharmacare. Os relatórios que demandam um Pharmacare no Canadá remontam há mais de 55 anos, desde a Hall Commission em 1964. No entanto, apesar desses relatórios, comissões, pesquisas acadêmicas, gastos crescentes com medicamentos, iniqüidades de saúde claras e mensuráveis, o governo do Partido Liberal ainda não se comprometeu com um Pharmacare efetivo.
O foco de qualquer iniciativa de política equitativa de saúde deve ser o tratamento do maior número de pacientes. Nosso projeto de inovação farmacêutica social para necessidades médicas não atendidas (SPIN) visa compreender melhor como esse objetivo pode ser alcançado por meio de formas alternativas de P&D. Os canadenses já percorreram esse caminho de “investimento” na indústria farmacêutica antes. A questão permanece: como ser diferente?
Referências
Advisory Council on the Implementation of National Pharmacare. (2019). A Prescription for Canada: Achieving Pharmacare for All. Disponível em https://www.canada.ca/en/health-canada/corporate/about-health-canada/public-engagement/external-advisory-bodies/implementation-national-pharmacare/final-report.html
Crowe, K. (2015, June 25). How a pharmaceutical firm priced its life-saving drug at $500K a year. CBC. Disponível em : https://www.cbc.ca/news/health/how-pharmaceutical-company-alexion-set-the-price-of-the-world-s-most-expensive-drug-1.3125251
Government of Canada. (2021). Budget 2021: A Recovery Plan for Jobs, Growth, and Resilience. Ottawa, ON Disponível em https://www.budget.gc.ca/2021/home-accueil-en.html
Mohamed, F. A., & Chaufan, C. (2020). A Critical Discourse Analysis of Intellectual Property Rights Within NAFTA 1.0: Implications for NAFTA 2.0 and for Democratic (Health)
Governance in Canada. International Journal of Health Services, 50(3), 278-291. doi:10.1177/0020731420902600
Patented Medicine Prices Review Board. (2020). Annual Report 2018. Disponível em https://www.canada.ca/en/patented-medicine-prices-review/services/reports-studies/annual-report-2018.html
Escrito por: Faisal Ali Mohamed (Doutorando)
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