No final de abril, a Organização Canadense de Doenças Raras (CORD) enviou uma pesquisa aos pacientes canadenses e recebeu mais de 300 respostas em poucos dias 1. Esta pesquisa indicou que a COVID-19 impactou significativamente os canadenses com condições crônicas e doenças raras. A pandemia afetou particularmente os canadenses com co-morbidades que afetam seu sistema imunológico ou condições que impactam seus sistemas cardíaco ou respiratório. Como as províncias de todo o país agora lidam com casos crescentes de COVID-19, que em alguns casos excedem os da primavera passada, as preocupações aumentaram.
Percebe-se que muitos tratamentos para doenças raras e outras condições foram suspensos, incluindo cirurgias consideradas “eletivas”. Um novo estudo divulgado pelo British Journal of Surgery indicou que quase 400 mil cirurgias em todo o Canadá teriam sido canceladas ou adiadas em meados de junho devido à pandemia 2. O estudo sugere que esse acúmulo de cirurgias canceladas pode levar mais de um ano para ser zerado, aumentando ainda mais a fila de espera em todo o Canadá. No entanto, o que é especialmente preocupante é que muitas dessas cirurgias não são 'eletivas'. Contrariamente ao que se poderia acreditar, uma grande proporção dessas cirurgias não são procedimentos estéticos 3.Na verdade, as cirurgias de câncer e os transplantes estão entre as que foram consideradas 'eletivas'. Esse tipo de cirurgia costuma ser muito sensível ao tempo decorrido e geralmente também às condições do paciente. As pessoas se preparam para essas cirurgias com semanas de antecedência, o que geralmente exige um movimento específico de preparação.
Além disso, os transplantes dependem da disponibilidade de órgãos ou células compatíveis e, portanto, as pessoas geralmente esperam pelo mesmo durante anos. Este atraso de operações 'eletivas' sensíveis ao tempo pode levar (e tem levado) a uma deterioração da qualidade de vida e ao agravamento das condições de saúde destes pacientes, suscitando mortes evitáveis. Além disso, "quando os hospitais retomam totalmente as atividades eletivas, os pacientes provavelmente serão priorizados pela urgência clínica, resultando em atrasos prolongados para pacientes com condições benignas, mas potencialmente incapacitantes, onde pode haver menos impacto perceptível do tempo decorrido" 2.
Essas preocupações estão evidentemente no centro dos temores enfrentados pelos canadenses com doenças raras. Os resultados da pesquisa CORD indicam que metade dos entrevistados relatou dificuldade em obter acesso aos cuidados médicos necessários, o que inclui cirurgias canceladas e exames de sangue interrompidos ou atrasados, hemodiálise e tratamentos fisioterápicos. Além disso, metade dos entrevistados indicou que estava enfrentando dificuldades para acessar serviços de reabilitação ou essenciais, incluindo cuidadores. Muitos indivíduos com problemas significativos de mobilidade não podiam mais receber cuidados de seus cuidadores por medo de serem expostos ou exporem terceiros a COVID-19.
Uma preocupação adicional que se revelou frequente por meio da pesquisa CORD foi que mais de 40% dos canadenses tiveram dificuldade para acessar seus medicamentos. Alguns medicamentos não estão mais disponíveis, como amoxicilina (um antibiótico usado para tratar pessoas com alto risco de infecção bacteriana) e hidroxiureia (um medicamento usado para tratar câncer, doença falciforme e algumas outras doenças raras). Além disso, outros medicamentos estavam disponíveis apenas em doses fracionadas ou estavam sendo substituídos por medicamentos similares. Em julho, muitas províncias impuseram um prazo de 30 dias para o fornecimento de medicamentos com receita, o que significa que os indivíduos seriam obrigados a aviar suas receitas mensalmente 4.
Essas questões de acesso relativas a uma gama de medicamentos e tratamentos para pacientes com doenças raras devido a COVID-19 se repetem nos desafios de acesso para aqueles que ainda não têm medicamentos específicos para sua condição. Em junho passado, a Global Genes (uma organização em rede de "defensores, parceiros e colaboradores que são incansáveis em seus esforços para gerar a mudança" em doenças raras) realizou um evento interativo de dois dias em parceria com o Penn Medicine Orphan Disease Center. Este centro se dedica a educar aprendizes iniciantes e avançados sobre o processo de desenvolvimento de medicamentos através do Simpósio de Desenvolvimento de Medicamentos RARE 5.
Nesse evento, um dos temas recorrentes foi o impacto do COVID-19 nas pesquisas sobre doenças raras. Em muitas de suas apresentações, os pesquisadores lamentaram o fato de que seu trabalho com doenças raras teve de ser suspenso porque seus laboratórios estavam completamente fechados ou porque todos os esforços de pesquisa foram direcionados para o alívio da pandemia. Alguns desses pesquisadores se envolveram ativamente na pesquisa de vacinas. Em contraste, outros tiveram que assumir a responsabilidade de documentar e rastrear toda a gama de esforços de pesquisa internacional para o desenvolvimento de vacinas.
No geral, canadenses com doenças raras e cidadãos de todo mundo foram afetados significativamente pela COVID-19 de muitas maneiras inimagináveis. Como esta pandemia continua afetando o planeta, as implicações negativas persistem. O que será interessante acompanhar é a rapidez com que se retomará a pesquisa, o desenvolvimento e a dispensação de medicamentos para doenças raras. Além disso - e talvez assunto para um outro post - uma vez que uma vacina para COVID-19 tenha sido desenvolvida, será essencial analisar como ela será distribuída.
Nossa visão de inovação social farmacêutica é caracterizada por uma abordagem que considera vulnerabilidades sociais ou ambientais, como desigualdades em saúde e necessidades médicas não-atendidas. Além disso, concebemos a inovação social farmacêutica como envolvendo parcerias entre empresas privadas, instituições públicas e diversos grupos interessados. Finalmente, nossa visão da inovação social farmacêutica não diz respeito àquela impulsionada principalmente pela obtenção de lucro; em vez disso, visa gerar impactos sociais e ambientais positivos ou prevenir impactos negativos. Embora tudo indique que a pesquisa de vacinas para COVID-19 apresente características dos dois primeiros componentes da inovação social farmacêutica acima mencionados, ainda não se sabe se contará com o último deles.
Referências
1. Wong-Rieger, D. (2020). Applying lessons from COVID-19 to better healthcare for rare diseases. Toronto: Canadian Organization for Rare Disorders.
2. COVIDSurg Collaborative. (2020). Elective surgery cancellations due to the COVID-19 pandemic: Global predictive modelling to inform surgical recovery plans. BJS Society , 2020 (1), 1440-1449. https://bjssjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/bjs.11746
3. Trevithick, M. (2020, May 15). COVID-19 pandemic to affect nearly 400,000 elective surgeries across Canada by mid-June. Global News.
4. Ferreira, J. (2020, June 12). 30-day limit on prescription refills lifted in most provinces. CTVNews.
5. GlobalGenes. (2020, June 1). RARE Drug Development Symposium. Retrieved June 1, 2020 from Global Genes: https://globalgenes.org/event/rare-disease-drug-development/
Post redigido por : Conor Douglas (PhD) and Shir Grunebaum (MA)
Tradução livre de Cláudio Cordovil
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